Café: além das regras do barismo
Que os baristas não me escutem, mas eu vou falar sobre alguns erros de extração de café que podem te ajudar a chegar no melhor resultado para o seu coquetel.
Antes de entrar nesse assunto, nunca é demais recordar que a seleção da matéria-prima é o passo mais importante e existem três atributos para os quais eu gosto de dar mais atenção na hora da escolha.
Sabor, corpo e acidez
Sabores bem definidos fazem toda a diferença e, quanto mais específica a descrição do café, mais assertiva vai ser a sua escolha. Ao provar a xícara faça a pergunta: o que eu sinto?. Imaginando que a resposta seja um sabor frutado, pergunte novamente: qual tipo de fruta? Frutas vermelhas. Qual a fruta? E, assim, você vai se aproximando da descrição específica daquela nota sensorial.
A acidez talvez seja o mais polêmico dos atributos do café. Trata-se de um conceito nada fácil de se definir e bastante confundido com amargor. Pode ser chamada de ‘’brilhante’’ quando está agradável ao paladar ou “azeda” e ‘’avinagrada’’ se parecer desagradável. Além disso, pode ser ‘’alta’’ ou ‘’baixa’’ quanto à sua intensidade.
Também é diferenciada quanto ao tipo, podendo ser acidez málica – encontrada em cafés produzidos em grandes altitudes, muito elegante e persistente na boca; acidez tartárica – que provoca uma quantidade enorme de saliva na boca e um residual levemente adstringente; acidez láctica – de uma certa raridade no café, traz um toque macio na bebida; acidez fosfórica – comum nos famosos cafés quenianos; acidez cítrica – a mais comum nos cafés do Brasil e a mais fácil de ser identificada; e a acidez acética – considerada um grave defeito no café devido a uma fermentação indesejada.
O terceiro atributo a que mais gosto de dar atenção é o corpo, e corpo é a sensação tátil do café na boca. Não tem nem o que saborear, é só sentir.
Algumas variedades de café podem ter mais corpo do que outras. A torra e a extração também podem ressaltar ou esconder esse atributo e, claro, também existem os diferentes tipos de corpo. Tem corpo macio, aveludado, viscoso, delicado, pode ser alto e pode ser médio ou ainda redondo. O corpo faz a diferença na xícara de café.
Extração de café e matéria-prima
Muito antes de começar a julgar campeonatos nacionais e conhecer mais profundamente a categoria Coffee in Good Spirits (drinks alcoólicos de café), algumas curiosidades já me chamavam a atenção e me lancei o desafio de levar o defeito do café como qualidade no drink.
Isso aconteceu depois que me encantei com um coquetel de acidez acética, corpo leve e um residual levemente seco – praticamente o oposto do que buscamos numa xícara de café.
E por que não buscar uma matéria-prima com esses atributos? Porque esses defeitos, além de não serem desejados nos cafés de qualidade, podem não ser consistentes em toda a amostra de grãos. Foi isso que me levou a explorar a extração além do resultado de uma boa xícara de café.
Para fazer essas degustações, eu recomendo que comecem com o café espresso. Como os baristas dizem, o espresso é uma lente de aumento do café e é recomendada a ajuda de um barista.
Começando com a extração ideal (que é quase um milagre), para que exista um parâmetro de comparação entre as extrações, você deve perceber que ela é doce e encorpada, tem clareza no sabor, a acidez é equilibrada e o sabor residual é agradável e persistente.
De um modo geral, uma subextração ocorre quando você não extrai todo o potencial daquele café, podendo apresentar uma sensação de sour (azedo)e salty (salgada). Você pode provar um café subextraído interrompendo a extração no início, bem antes dela acabar, ou ainda acrescentar mais pó de café, com uma moagem um pouco mais grossa, e, assim, extrair menos.
Já a superextração ocorre quando extraímos além do potencial máximo que o café tem a entregar, pode apresentar uma sensação de bitter (amargo), dry (seco) e adstringência. Experimente aumentar um pouco a quantidade de água na receita ou ainda afinar a moagem do grão.
O resultado esperado
A extração é, sem dúvida, o ponto mais importante do preparo do café. Por isso é realmente necessário dominar as técnicas desse preparo para que você tenha uma boa extração e chegue no resultado esperado com consistência, podendo repetir a extração sem ter que contar com a sorte.
No entanto, quando falamos de uma receita, o resultado dessa extração é um ingrediente e não uma xícara de café. Explore todos os sabores que o grão pode te entregar.
Trajetória
Elena, assim sem ‘h’ mesmo, faz e prova café à beça, mas gosta mesmo é de gente. É ex-atleta profissional de handebol e cursou a faculdade de fisioterapia, mas logo mudou de curso e foi trabalhar na área de gestão de pessoas e organizações.
Nada satisfeita com o caminho escolhido, foi conhecer novas profissões. Descobriu, então, o que era ser barista e, em 2014, se jogou pra trás do balcão. Liderou equipes e ministrou os mais diversos cursos da área, passou pela torra dos grãos, pela prova de qualidade e pela compra de lotes das novas safras.
Em 2016, juntou tudo que aprendeu nos últimos anos e deu início ao projeto de consultoria, com o intuito de propagar conhecimento e qualidade para os cafés servidos no Brasil, do plano de negócios até o treinamento técnico de preparo de cafés e as bebidas derivadas.
Além das consultorias, Elena atua como provadora profissional em diversos concursos de qualidade no Brasil e juíza do Campeonato Nacional de Barismo em diversas categorias. Em 2020, foi head judge (juíza principal) na categoria barista.