01 a 03 de julho | 2024

BCB São Paulo entrevista Bianca Andrioli: Gestão de estoques de ingredientes, veja como fazer

Foto: @vitoramoretti

Um dos segredos para a administração correta de um bar, restaurante e até mesmo lojas, é a gestão de estoques. A atividade, que inclui o armazenamento adequado de produtos e alimentos, faz parte de um conjunto de ações e estratégias que contribuem para a prosperidade e a longevidade do negócio.

 

Dessa forma, manutenção da receita, lucratividade, otimização do fluxo de caixa, os custos operacionais e até a qualidade dos produtos que chegam à prateleira, mesa ou balcão também estão relacionados à gestão adequada.

 

Para desmistificar o assunto, o BCB São Paulo entrevistou Bianca Andrioli, mixologista e graduanda em engenharia de alimentos. A profissional também traz algumas recomendações de aproveitamento adequado de produtos. Confira:   

 

BCB - A administração de estoques é fundamental para a receita dos bares e restaurantes. Como profissionais de gestão podem fazer esse controle de forma adequada? Que dicas podem ajudar?

 

Bianca Andrioli (BA)- A gestão de estoque pode ser sempre otimizada quando temos as informações corretas de armazenamento de insumos, quando realizada a sanitização adequada do alimento e, também, do seu local de armazenamento e, claro, de manipulação. Além disso, compreender os processos deterioradores dos alimentos é uma excelente aliada para o controle do estoque.

 

Uma boa gestão e controle de estoque contribuem para a qualidade final dos produtos que são entregues no bar, pois garante a segurança do alimento e, consequentemente, o cuidado com a saúde do consumidor.

 

Primeiro, e mais importante, os alimentos devem ser higienizados adequadamente quando recebidos e colocados em ambientes específicos e devidamente sanitizados. Produtos de origem animal, com exceção do mel, tem alta perecibilidade, ou seja, eles têm um tempo de prateleira curto e que torna obrigatória a refrigeração. O mesmo se aplica a frutas e verduras com alta atividade de água, como a melancia e o tomate.

 

Já os alimentos com baixa atividade de água, como desidratados e açúcares, possuem uma vida de prateleira estendida, logo não é preciso armazená-los sob refrigeração.

 

BCB - Qual a importância de uma gestão de estoques adequada para além da receita dos estabelecimentos?

 

BA - Além da receita, a gestão de estoque adequada nos previne de contaminações alimentares (conhecidas como DTAS - doenças transmitidas por alimentos), da deterioração antecipada do alimento, do desperdício e claro, melhora a qualidade da entrega do produto final.

 

BCB - Ainda sobre o armazenamento de produtos, como devem ser separados e organizados? E quais são as opções e os cuidados para o estoque?  

 

BA - Existem diversas variantes que podem interferir na perecibilidade do alimento como temperatura, umidade, manuseio ou contato com outros materiais. Pensando nisso, os alimentos podem ser categorizados em perecíveis, semiperecíveis e não perecíveis.

 

Alimentos perecíveis são aqueles produtos mais sensíveis e com risco de estragar e/ou contaminar mais facilmente, caso das frutas com casca fina como morango, ameixa e produtos de origem animal. Poucas pessoas sabem, mas as frutas, assim como nós, estão respirando. Logo, o armazenamento à vácuo não é uma boa opção. O ideal é fazer em geladeira dentro de um saco para diminuir, e não extinguir, a taxa respiratória desses produtos.

 

Os alimentos semiperecíveis são aqueles que possuem alguma modificação na estrutura básica de uma matéria-prima. Nesse caso, tem as geleias, conservas, doces em calda, leite condensado e queijos semicurados. Em todos os exemplos, tem uma matéria-prima que foi aprimorada, seja com saturação de açúcar / sal ou com a diminuição do pH, ações que impedem que os alimentos se deteriorem tão facilmente. Assim como os alimentos perecíveis, devem ser mantidos sob refrigeração. 

 

A exemplo dos não perecíveis tem o açúcar e os desidratados, como citado anteriormente. A forma correta de armazenamento é em local seco, protegido do ambiente e fresco, pois ambos alimentos possuem a capacidade de absorver a umidade do ar. Essa absorção da umidade do ar, faz com que o alimento fique mais suscetível ao desenvolvimento microbiano, pois sua atividade de água aumenta. Essa alta é um dos principais fatores que afetam a estabilidade e durabilidade do alimento. Logo, mesmo os alimentos não perecíveis, devem ser tratados com cuidado e guardados adequadamente a fim de que não haja nenhuma alteração.

 

BCB - Além das bebidas, os alimentos e ingredientes exigem uma atenção maior dos profissionais de gestão para evitar a deterioração e, com isso, problemas com clientes, fiscalização, entre outros. Como deve ser feito o acompanhamento dos prazos de validade dos alimentos?

 

BA - Os prazos de validade devem ser acompanhados através de uma planilha de controle elaborada por um nutricionista ou profissional técnico. O controle de estoque deve ser diário, pois existem muitas variáveis que podem afetar o prazo de validade. Seja por meio de planilhas impressas ou sistemas avançados, o importante é que esse controle seja feito.

 

BCB - Quais tipos de alimentos são mais adequados para estocar? Quais são recomendados para serem consumidos ainda frescos?

 

BA - Para estocar, os alimentos mais adequados são os não perecíveis, como os desidratados ou que possuem baixa atividade de água naturalmente, como cacau, açúcares e mel.

 

Frutas e hortaliças são recomendadas para que sejam consumidos frescos, pois o congelamento lento gera cristais de gelo pontiagudos que quebram a matriz do alimento e acabam diluindo os compostos que conferem sabor. Para extrair o melhor desses alimentos, nutricional e sensorialmente falando, o ideal é o consumo mais fresco possível.

 

BCB - Atualmente, tem havido uma preferência maior por alimentos com prazo de validade mais longo?

 

BA - Acredito que sim, ao mesmo tempo em que há um movimento de alimentação mais natural possível. Vejo muitas pessoas que torcem o nariz para a utilização do ácido cítrico anidro por ser “sintético”, não ser natural da fruta. Porém, muitos não sabem que cerca de 90% de toda produção desse ácido, é realizada através de vias fermentativas de microrganismos, ou seja, também é natural.

 

Eu particularmente acho interessante aumentar o tempo de vida dos insumos do bar. Imagina só, um bar com várias produções que consiga estender o prazo de validade desses preparos. Isso facilita muito a vida do bartender.

 

BCB – Considerando esse movimento de consumidores que buscam alimentação mais saudável e natural, como isso tem impactado os bares e restaurantes? Quais os desafios e como eles podem adequar o serviço para atendimento desse público?

 

BA - Nos últimos anos, as pessoas têm se preocupado muito com a saúde, isso é uma tendência mundial que vem acontecendo, desde a opção por alimentos minimamente processados até a tendência de coquetéis sem álcool ou com pouco álcool. A inserção de variedades com esse perfil tem aumentado consideravelmente, eu não me recordo de ver tantas opções sem álcool em bares como existem hoje.

 

Isso se aplica também na questão dos preparos. A percepção de um xarope caseiro em comparação com um xarope industrial é muito mais positiva, nesse quesito. Porém, em contrapartida, esses produtos possuem um prazo de validade inferior. O que faz os xaropes industriais durarem mais é a adição de um conservante, que como o próprio nome sugere, ajuda a conservar o alimento, como o ácido cítrico, málico, láctico e tantos outros.

 

Talvez seja um pouco clichê, mas fazer o xarope no fogão também estende o prazo de validade porque inativa diversas enzimas que poderiam degradar o alimento. O ácido cítrico anidro é o mais utilizado e a adição do produto em um xarope pode estender o prazo de validade por alguns dias sem causar alterações sensoriais perceptíveis ao paladar.

 

BCB - Sobre o reaproveitamento de alimentos e ingredientes visando evitar o desperdício, quais as recomendações? Pode citar alguns exemplos que são frequentes nos estabelecimentos?

 

BA - Vamos pensar em um bar de volume, que deixa seus zests de cítricos prontos antes da operação. Tudo aquilo que não for utilizado, na maioria das vezes, é descartado. Porém se retirarmos a parte branca (albedo) podemos fazer desde um óleo saccharum, lemoncello até casquinhas de laranja cristalizada para utilizar de guarnição em outro coquetel. O suco de limão diário, pode ser enviado para a cozinha para auxiliar a dissolver a gordura da coifa. As ervas que não se encontram adequadas visualmente para ir para o copo do cliente, podem ser enviados à cozinha pois ainda servem como tempero.

 

Para além disso, a água do derretimento do gelo da bancada pode também ser recolhida e utilizada para a higienização do bar. Quando pensamos em sustentabilidade e desperdício, devemos ter uma visão 360, não só do bar. Sobre esse tema, eu recomendo o livro “Waste not - how to get the most from you food” (Sem desperdício - como tirar o máximo proveito da sua alimentação), da James Beard Foundation. A obra traz diversas receitas que ensinam como aproveitar as partes dos alimentos que seriam jogadas fora, com receitas e muitas dicas.