A coquetelaria pelos olhos de Diogo Sevilio

Conteúdo produzido por Diogo Sevilio exclusivamente para o blog do BCB São Paulo.

_Bora tomar uma hoje? - Disse Fulano

_Ih, rapaz, não tô bebendo! - Respondeu Ciclano

Não contente, Fulano, o chato, insistiu: _Para com isso, é sábado! Amanhã, tu se recupera e, segunda-feira, você estará “bala” pra voltar à semana de trabalho.

O diálogo acima é mais comum do que podemos imaginar, pessoas insistindo com amigos que adotem o mesmo comportamento que elas, seja para validar os próprios ou com a ingenuidade de quem só quer companhia. É por isso que trago uma reflexão e uma resposta à essa questão. Segue o fio:

Em primeiro lugar, precisamos parar com essa insistência quando alguém nos diz que não quer beber, seja por questão de saúde, por falta de vontade ou porque simplesmente já sente que bebeu o suficiente. Temos que respeitar e evitar constrangimentos, como por exemplo, a pessoa precisar se explicar ou seguir se defendendo do convite. Não seja chato!

O álcool é apenas uma das esferas possíveis na experiência de interação social. Festas são, antes de tudo, um espaço de convivência e as pessoas não estão obrigadas ao consumo de álcool para se fazer valer. Afinal, quantas vezes você se divertiu e teve boas conversas em momentos em que o álcool não era permitido ou não estava disponível? Você pode dançar, contar histórias, fazer piadas e rir de acontecimentos engraçados com seus convives, simplesmente desfrutando de suas companhias e dos outros mecanismos dispostos pela experiência proposta. Atenção: se você não consegue fazer isso sem álcool, você precisa reavaliar a sua relação com essa substância e refletir sobre seus gatilhos. Assim sendo, que tal agora uma solução para manter todos os convives ou comensais inseridos, o máximo possível, na mesma ótica de experiência?

Somos antes de Mixologistas, membros de uma classe que trabalha, única e exclusivamente, para o acolhimento. Todos os nossos conhecimentos em atendimento e na harmonização das misturas são nossas ferramentas para promover a hospitalidade e o convívio entre nossos convidados e ou clientes.

Eu parei de beber há quase 6 anos e, por mais que não goste mais dos efeitos do álcool em meu organismo, ainda sinto falta da complexidade que a maioria das bebidas alcoólicas têm em comparação com sucos, refrigerantes e batidinhas frutadas não alcoólicas que, no geral, são só uma bomba de açúcar disfarçada em uma mistura “non-sense” de frutas.

É aí que mora o desafio.

Vejo muitos bartenders se empenhando em novas técnicas de mistura, de preparo e de extração de sabores, mas, muitas vezes, esquecem de aplicar seu conhecimento e criatividade em bebidas sem álcool. Eu não me excluo dessa galera, por isso reafirmo meu compromisso com vocês, leitores, de me empenhar, ainda mais, em levar essas experiências culturais e organolépticas também para quem não bebe álcool nunca, ou só não quer por hoje.

Aliás, já dei largas passadas nessa direção quando em 2021 participei do Campari Bartenders Competition apresentando 2 versões do clássico Negroni, só que sem álcool.

Você pode até pensar que sou louco ou que estou inventando histórias, afinal o Negroni é um drink que em sua formulação leva álcool sobre álcool. Então como pude fazer essas duas versões de Negroni sem álcool?

Simples (mas não tão simples assim). Eu usei os ingredientes normais da receita clássica, mas através da destilação, extraí o álcool. Entretanto, desta vez, fiquei apenas com o “subproduto” não alcoólico que, geralmente, é descartado nesse processo.

Somos bartenders e ser criativo está em nossa essência. Logo, um olhar despido de padrões preestabelecidos nos faz enxergar todas as possibilidades disponíveis de criação através de nossos conhecimentos.

Com o extrato de Negroni não alcoólico, eu fiz duas receitas: o Zero Sbagliatto, com o extrato alongado em soda artesanal de tangerina; e o Zero Negroni que foi alongado, dentre outras coisas, com chá de gengibre, devolvendo para a receita aquela sensação química tátil que o álcool nos dá de “esquentar a orelha”. Trocando em miúdos, substituí um termogênico por outro. Contudo, essa ideia precisa ser muito bem estudada e praticada, a fim de garantir que não haja álcool algum em sua composição final. Afinal, você servirá para alguém que não pode ou não quer consumir essa substância.

Dito isto, não precisamos apenas ser disruptivos ou malucos para promover experiências bacanas com receitas sem álcool, pois a complexidade presente na maioria das bebidas alcoólicas não vem do álcool, e sim dos ingredientes dos quais o álcool foi utilizado como extrator e conservante de suas características.

Flores, ervas, madeiras, raízes, sementes aromáticas ou apenas oleaginosas, frutas e óleos devem ser o seu guia nessa jornada de descoberta.

E se eu dissesse pra você que entre um drink alcoólico e outro, você pode tomar mais um drink, só que dessa vez, sem álcool?

Não é o álcool que te torna um excelente Bartender ou Mixologista, afinal o seu trabalho não é embriagar o corpo e sim acolher e alimentar a alma. 

 

Conteúdo produzido por Diogo Sevilio exclusivamente para o blog do BCB São Paulo.